6 Riscos associados à sobrecarga de fluidos e como evitá-los
A terapia com fluidos é essencial no tratamento de pacientes em estado crítico. Apesar disso, uma gestão inadequada de fluidos conduz a uma morbilidade e mortalidade significativas.
A terapia com fluidos é essencial no tratamento de pacientes em estado crítico. Apesar disso, uma gestão inadequada de fluidos conduz a uma morbilidade e mortalidade significativas.
O QUE VAI ENCONTRAR NESTE ARTIGO?
Riscos da sobrecarga de fluidos
- Sobrecarga cardiovascular
- Edema pulmonar
- Efeitos mesentéricos
- Edema do miocárdio
- Edema cutâneo
-
Efeitos no SNC
Como evitar a sobrecarga de fluidos?
- Abordagem individualizada
- Terapia guiada por objetivos
- Utilização de indicadores de resposta a fluidos
Quer saber mais sobre os riscos associados à sobrecarga de fluidos e como evitá-los? Mantenha-se nesta página e leia a publicação completa.
Apesar de a fluidoterapia ser essencial no tratamento do paciente crítico, uma gestão inadequada pode conduzir a elevada morbilidade e mortalidade.
Selecionar o fluido e a quantidade certa para cada um dos nossos pacientes é um desafio, não existe uma fórmula única e universal, é um tratamento individualizado que requer um elevado grau de precisão. No entanto, existem diretrizes que nos podem ajudar a conhecer os possíveis riscos, a evitá-los e, caso ocorram, a atuar precocemente, melhorando o prognóstico.
RISCOS DE SOBRECARGA DE FLUIDOS
A sobrecarga cardiovascular e o edema pulmonar são os efeitos mais comuns da sobrecarga de fluidos. No entanto, existem outros riscos não menos frequentes, mas não menos importantes, como a isquemia mesentérica, o edema cerebral, os defeitos de coagulação, a diminuição da oxigenação dos tecidos e a hipoproteinémia. 1
SOBRECARGA CARDIOVASCULAR
Um dos efeitos mais comuns da administração excessiva de fluidos é a sobrecarga cardiovascular.1 Nestas situações, o coração é submetido a um stress adicional devido ao aumento do volume sanguíneo, o que pode levar a disfunção cardíaca e mesmo a insuficiência cardíaca, especialmente em pacientes com doença cardíaca pré-existente.
EDEMA PULMONAR
Os pulmões são um dos órgãos onde os efeitos adversos da sobrecarga de fluidos são mais evidentes, podendo levar a edema pulmonar agudo ou síndrome de dificuldade respiratória aguda. 2
EFEITOS MESENTÉRICOS
Em situações de choque circulatório, o organismo redireciona o fluxo sanguíneo para órgãos vitais como o coração e o cérebro. No entanto, isto leva a uma diminuição do fluxo sanguíneo para o trato digestivo, o que pode resultar em isquemia mesentérica. A isquemia mesentérica provoca danos no revestimento intestinal e causa a perda de proteínas e solutos para o lúmen intestinal, o que, por sua vez, contribui para a perda de volume plasmático. 2
EDEMA DO MIOCÁRDIO
A administração maciça de fluidos em situações críticas pode levar a uma sobrecarga intravascular com os riscos que isso implica. Quando isto ocorre, o miocárdio pode desenvolver edema, uma vez que, devido ao aumento de volume, tanto a contratilidade como a complacência do miocárdio são afetadas no coração. 2
EDEMAS CUTÂNEOS
A redução da pressão oncótica plasmática pode levar à formação de edema sistémico, que é clinicamente evidente, especialmente após a reanimação com cristaloides. O edema sistémico não só tem implicações estéticas como também resulta na diminuição da tensão de oxigénio a esse nível e, consequentemente, pode levar à formação de úlceras e à infeção das mesmas devido à redução da resposta imunitária celular. 2
EFEITOS NO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
A administração de fluidos pode ter efeitos significativos no sistema nervoso central (SNC), nomeadamente na possibilidade de desenvolvimento de edema cerebral. O cérebro possui mecanismos de proteção, como a barreira hemato-encefálica e a autorregulação vascular, mas, em situações de choque, a diminuição crítica da pressão oncótica plasmática pode desencadear um desequilíbrio entre as pressões hidrostática e oncótica no leito cerebral, levando ao edema cerebral. Este facto sublinha a importância de considerar tanto a causa da lesão cerebral como a integridade da barreira hemato-encefálica quando se administram grandes volumes de fluidos. 2
COMO EVITAR A SOBRECARGA DE FLUIDOS?
A terapia com fluidos é uma parte fundamental do tratamento do paciente crítico, no entanto, como vimos, em caso de sobrecarga de fluidos, os riscos são graves.
Administrar a quantidade exata que permita um tratamento ótimo sem exceder as necessidades do paciente é um desafio, no entanto, existem algumas recomendações que nos podem ajudar e orientar:
- Abordagem individualizada
- Terapia guiada por objetivos
- Utilização de indicadores de resposta a fluidos
Como é que cada uma destas recomendações nos pode ajudar? De seguida, abordaremos cada uma delas.
1. ABORDAGEM INDIVIDUALIZADA
Cada paciente é diferente e as suas necessidades serão diferentes, pelo que devemos individualizar o mais possível a terapêutica. Para tal, é necessário monitorizar os principais parâmetros hemodinâmicos, o que nos permitirá conhecer sempre o estado do paciente, adaptar o tratamento e atuar precocemente em caso de possíveis complicações.
2. TERAPIA GUIADA POR OBJETIVOS
Estudos recentes demonstraram que a terapia dirigida por objetivos (GDT) pode reduzir a morbilidade e mortalidade e o tempo de hospitalização. 3
Esta técnica baseia-se na monitorização contínua dos parâmetros hemodinâmicos para orientar o tratamento. Desta forma, permite uma utilização mais adequada de fluidos, vasopressores e inotrópicos, oferecendo assim um melhor prognóstico e uma recuperação mais rápida. 4
Foi demonstrado que a terapia perioperatória dirigida por objetivos pode melhorar o resultado pós-operatório em pacientes cirúrgicos de alto risco. 4
Tanto assim é que um balanço hídrico positivo desnecessário está associado a um aumento da morbilidade e da mortalidade. 5
A terapia guiada por objetivos requer uma monitorização contínua das alterações hemodinâmicas do paciente. Para tal, necessitaremos de um sistema avançado de monitorização hemodinâmica que nos informe sobre o estado hemodinâmico do paciente de forma precisa e fiável.
3. UTILIZAÇÃO DE INDICADORES DE RESPOSTA A FLUIDOS
Apenas 50% dos pacientes em estado crítico respondem à administração de fluidos, aumentando o volume sistólico (VS) e o débito cardíaco (DC). Para evitar riscos de vida, é essencial identificar se o paciente é dependente da pré-carga, ou seja, se responde à infusão de fluidos, ou se, pelo contrário, a administração de fluidos pode levar a iatrogenia, tornando o tratamento não só fútil, mas também potencialmente prejudicial.

Existem várias técnicas disponíveis para determinar se o paciente responde à administração de fluidos, incluindo:
- Variação do Volume Sistólico (VVS) e Variação da Pressão de Pulso (VPP). Estas são variáveis derivadas da análise da forma de onda da pressão arterial durante a ventilação mecânica e são consideradas um preditor fiável para medir a capacidade de resposta a fluidos. A sua elevada sensibilidade para identificar a necessidade de fluidos e a sua forte relação com o índice cardíaco fazem destas variáveis a primeira escolha para avaliar a resposta do paciente à ressuscitação com fluidos.
- Teste de elevação passiva das pernas. Este teste envolve a transfusão de 300 ml de sangue das pernas para o coração, mudando o paciente de uma posição semi-reclinada para uma elevação das pernas a 45°. Considera-se que há uma boa resposta a fluidos se for registado um aumento de >10% no índice de volume sistólico no minuto seguinte.
- Teste de desafio com pequeno volume. Sob monitorização contínua do débito cardíaco, administrar um bólus de 100 ml de soro fisiológico durante um minuto. Se o débito cardíaco aumentar mais de 6%, considera-se que o paciente responde à administração de fluidos.
- Teste de provocação de fluidos. Semelhante ao anterior, com a diferença de que os bólus administrados são maiores: 250 ml em 10 minutos ou 500 ml em 20 minutos.
- Teste de oclusão expiratória final (TEOE). Consiste em parar a ventilação mecânica no final da expiração durante 15 a 30 segundos e medir as alterações do débito cardíaco daí resultantes. Quando a ventilação é interrompida na expiração, a impedância cíclica no retorno venoso é interrompida e a pré-carga cardíaca aumenta. Considera-se que um aumento do débito cardíaco acima do limiar de 5% indica pré-carga e, consequentemente, capacidade de resposta a fluidos.
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Ecografia. É mais comummente realizado na veia cava inferior, cujo diâmetro varia com as alterações da pressão intravascular e intratorácica. Ou seja, durante a inspiração, a veia cava inferior colapsa devido à pressão negativa criada pela expansão do tórax. O paciente responderá à administração de fluidos se apresentar alterações de diâmetro superiores a 12%.
A sobrecarga de fluidos é um dos riscos que podemos encontrar durante a fluidoterapia no paciente crítico e, como vimos, as complicações podem ser muito graves. Apesar de desafiantes, existem técnicas e ferramentas que nos podem ajudar a evitar os potenciais riscos.
Uma ferramenta fundamental nestes casos é a monitorização hemodinâmica. Dispor de um monitor hemodinâmico que nos forneça parâmetros-alvo constantes, precisos e fiáveis permitir-nos-á realizar uma terapia dirigida por objetivos e, assim, individualizar o tratamento. Além disso, também nos permitirá saber se o paciente é um respondedor a fluidos, utilizando variáveis-chave como a Variação do Volume Sistólico (VVS) e a Variação da Pressão de Pulso (VPP). Desta forma, melhora-se o prognóstico do paciente, permitindo uma terapêutica mais adequada, com menos complicações e detenção mais precoce, caso estas surjam.
BIBLIOGRAFIA
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Autor: Campus Vygon